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Matéria do Correio Braziliense desta sexta, dia 6 de março

PEDOFILIA
Governo rebate Igreja

Anúncio de arcebispo sobre a excomunhão dos médicos e da mãe da criança de 9 anos que fez um aborto depois de um estupro gera bate-boca com ministro da Saúde. Temporão chama decisão de “lamentável”
Rafael Dias e Ana Paula Neiva
Do Diario de Pernambuco

Iano Andrade/CB/D.A Press - 23/12/08
“Fiquei chocado com os dois fatos: com o que aconteceu com a menina e com a posição desse religioso que, equivocadamente, ao dizer que defende uma vida, coloca em risco uma outra tão importante (quanto)”
José Gomes Temporão, ministro da Saúde

Juliana Leitão/DP/D.A Press
“(…) O estupro é um crime gravíssimo, mas não mais grave que o aborto. (…)Quem é cristão praticante aceitará a decisão. Acho importante a liberdade de religião, mas a lei de Deus deve estar acima”
Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife

Jaqueline Maia/DP/DA Press - 9/9/08
“Graças a Deus estou no rol dos excomungados”
Fátima Maia, diretora do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), onde a menina fez o aborto

Um dia depois de declarar que todos os envolvidos na realização do aborto induzido feito pela menina de 9 anos grávida de gêmeos do padrasto seriam excomungados, o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, deu ontem uma série de entrevistas para rebater a enxurrada de críticas que recebeu da sociedade civil e até de teólogos. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, entrou na briga e classificou o anúncio da excomunhão de “lamentável”, “radical” e “inadequado”. “Fiquei chocado com os dois fatos: com o que aconteceu com a menina e com a posição desse religioso que, equivocadamente, ao dizer que defende uma vida, coloca em risco uma outra tão importante (quanto)”, definiu.

Com o livro Catecismo da Igreja Católica em mãos, que compila os principais fundamentos teológicos do catolicismo, e apontando um dos artigos do Direito Canônico (Canôn nº 1.398), modificado pelo então papa João Paulo II em 1983, dom José alegou que sua decisão seguiu uma norma episcopal, legalizada pelo Vaticano, e não uma idiossincrasia. “Não excomunguei ninguém. Isso é uma loucura. (A ordem) não é fruto de um pensamento pessoal, mas de uma doutrina da Igreja”, replicou.

Dom José reafirmou a condenação do aborto em qualquer situação, dizendo que “nenhuma lei dos homens deve contrariar a lei de Deus”. Para o líder religioso, apesar de os médicos avaliarem que a gestante corria sérios riscos de morte, havia chances de os dois bebês nascerem. Segundo ele, a criança, se não tivesse sofrido aborto, poderia ter sobrevivido até o sexto mês de gestação e, assim, ser submetida a um parto cesariano, de modo que as três vidas fossem salvas. “Não se poderia optar pela morte. A lei de Deus é não matar. Não se pode fazer exceção alguma. Mesmo que a mãe corresse o risco de morrer, não se justifica matá-los”, explicou.

O arcebispo chegou a afirmar que “o estupro é um crime gravíssimo, mas não mais grave que o aborto”. Pela norma do Direito Canônico, realizar aborto é motivo de excomunhão latae sententia (em latim: sentença imediata, sem julgamento) a quem pratica ou coopera. “O aborto é um crime contra uma pessoa inocente que não dá o direito de a vítima se defender”, justifica.

Ele ainda respondeu aos ataques do comentarista Arnaldo Jabor, que o chamou de “inquisidor” e “dogmático”, e do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que classificou de “lamentável” a postura da Igreja. Ao saber do conteúdo das críticas, riu. “Não sei o que querem dizer com ‘dogmático’. Sou um religioso que obedece à Bíblia e está com Jesus Cristo. O que dizem são palavras soltas”, declarou, dizendo não temer retaliações da sociedade. “Quem é cristão praticante aceitará a decisão. Acho importante a liberdade de religião, mas a lei de Deus deve estar acima.”

Sem arrependimento
“Graças a Deus estou no rol dos excomungados”, reagiu ontem a diretora do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam) — onde a menina fez o aborto —, Fátima Maia. Católica, ela disse ter agido como diretora de um instituto referencial no estado para atendimento à mulher vítima de violência sexual, mas pessoalmente também não tem qualquer arrependimento. “Abomino a violência e teria feito tudo novamente”, destacou. “O Cisam fez e vai continuar fazendo, estamos preparados, qualificados e referenciados para esse tipo de atendimento há 16 anos.” A diretora do Cisam lembrou que a criança poderia ter ruptura de útero, hemorragia e bebês prematuros, além do risco de diabetes, hipertensão, eclampsia e, também, de se tornar estéril.

Católico de batismo, mas não praticante, o gerente médico do Cisam, Sérgio Cabral, um dos que participaram da interrupção da gravidez de 15 semanas da criança, frisou não ter qualquer problema de consciência. “Estou cumprindo um trabalho perante a população pobre de Pernambuco que só tem o Sistema Único de Saúde (SUS) para resolver seus problemas.”

Coordenadora do Grupo Curumim, uma organização feminista que trabalha com reprodução feminina e integra o Fórum de Mulheres de Pernambuco, Paula Viana criticou abertamente o arcebispo. “Assusta achar que a vida de uma menina vale menos que o pensamento de um religioso fundamentalista.”

Proteção
A menina não voltará para a cidade onde mora, em Alagoinha, no agreste de Pernambuco. Pelo menos por enquanto, a criança e a mãe, uma mulher de 39 anos, irão permanecer em uma casa-abrigo na Região Metropolitana de Recife, cujo endereço está sendo mantido em sigilo. Elas foram acolhidas por um Programa de Proteção às Vítimas de Abuso Sexual, administrado pela Secretaria Estadual da Mulher. A menina ainda não recebeu alta da maternidade do Cisam. Os médicos acharam melhor acompanhar a reação da criança aos medicamentos para profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis (DST), procedimento realizado em vítimas de estupro, conforme determinação do Ministério da Saúde.

O padrasto da criança, que está preso, será indiciado por estupro qualificado, afirmou ontem o delegado Antônio Dutra, da delegacia de Alagoinha (PE).

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