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Ricardo Kotscho

05/03/2009 - 14:25
Posso excomungar este bispo da minha igreja?

Só fui abrir os jornais hoje de manhã depois de terminar de escrever o texto do post anterior sobre minha viagem à Juréia (”Um outro mundo, tão perto daqui”) e não consigo me conformar com o que li a respeito deste inacreditável caso da menina de 9 anos, estuprada pelo padrasto, que estava grávida de gemeos.

Para salvar a vida da menina, os médicos da Maternidade Cisam, da Universidade de Pernambuco, no Recife, fizeram o que deveriam fazer: na quarta-feira, ela foi submetida a aborto para interromper a gravidez.

O diretor médico da maternidade, Sergio Cabral, que foi o responsável pelo procedimento, explicou com todas as letras:

“O risco maior seria a continuidade dessa gravidez. Uma criança de nove anos não tem ainda os orgãos formados. Se tudo correr bem, ela deve ter alta ainda esta semana”.

E não é que um advogado da Arquidiocese de Olinda e Recife, Márcio Miranda, anunciou que vai apresentar uma denúncia de homicídio contra a mãe da vítima por ter autorizado o aborto?

Dá para acreditar num absurdo destes? Como se estivesse falando em nome de Deus, o próprio, o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, ainda veio a público justificar a ação do advogado:

“Nós, ministros da Igreja Católica, temos obrigação de proclamar a lei de Deus. Nesses casos, os fins não justificam os meios, e a lei humana contraria a lei de Deus, contra a morte”.

Nós, quem, cara pálida? Como católico praticante, batizado, crismado e formado em escola de padres, ex-membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, não posso concordar que este bispo fale em meu nome e no da minha Igreja.

Clama aos céus que o que está em jogo não são as leis, nem dos homens nem da Igreja, mas apenas a vida de uma menina indefesa, ainda mais num país em que a legislação autoriza o aborto em vítimas de estupro até a 20ª semana de gravidez, sem autorização judicial.

Como o bispo Sobrinho já excomungou a família toda e meio mundo nesta trágica história, eu pergunto: também não tenho o direito de excomungá-lo da minha igreja?

Quanto mais ele procura defender sua posição, mais o bispo me revolta com o que leio no jornal, chegando a duvidar que as palavras sejam dele mesmo:

“A menina engravidou de maneira totalmente injusta, mas devemos salvar vidas. A Igreja sempre condenou e vai continuar condenando o aborto”.

Engravidou de maneira totalmente injusta? O que é isso? Por acaso existe estupro justo?

Pois se o bispo está mesmo interessado em salvar vidas, deveria dar todo o apoio aos médicos da Maternidade Cisam e à mãe da menina e não ameaçá-los com um processo na Justiça dos homens.

Ou deveria ir conversar com Paula Viana, a coordenadora do Grupo Curumim, organização não-governamental de defesa da mulher, que poderia lhe explicar qual vida precisava ser salva:

“A cada dia que passava, o risco era maior, a menina se sentia mal e já apresentava outras complicações. Tinha que ser feita uma intervenção médica imediata”.

E pensar que esta mesma Arquidiocese de Olinda e Recife já foi ocupada por um homem como meu amigo dom Hélder Câmara, o bispo que nos tempos mais sombrios da ditadura militar, arriscava a própria vida para salvar a vida dos outros.

Tenho certeza de que esta Igreja que dom Sobrinho diz representar não é a minha Igreja e não é a Igreja de dom Hélder. Alguém está na Igreja errada.

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Globo.com

Arcebispo diz que suspeito de violentar menina não pode ser excomungado Religioso condenou mãe e médicos envolvidos em aborto. Imprensa italiana diz que Vaticano apoia decisão. Do G1, com informações do Jornal Hoje O caso da menina de 9 anos que interrompeu a gravidez de gêmeos causou comoção e revolta. A repercussão foi ainda maior pela reação da Igreja Católica ao aborto provocado pelos médicos. O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, excomungou a mãe e a equipe médica envolvida no procedimento. Nesta sexta-feira (6), o arcebispo disse que o padrasto, suspeito de violentar a menina e ser pai dos bebês, não pode ser excomungado. "Ele cometeu um crime enorme, mas não está incluído na excomunhão", afirmou Sobrinho. "Esse padrasto cometeu um pecado gravíssimo. Agora, mais grave do que isso, sabe o que é? O aborto, eliminar uma vida inocente." A equipe que participou do aborto está recebendo e-mails de médicos do país inteiro. Foram mais de 500 mensa