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Wálter Maierovitch

7 de março de 2009

Aborto e excomunhão: mãe e médicos poderão postular indenizações da Igreja.


A minha caneta falante, Concetta Rompicoglioni, pergunta se é verdade que o nosso Código Penal é de 1940. E emenda a indagar se essa nossa lei penal considera excluída a ilicitude (não há crime) de casos relativos a (1) aborto necessário e (2) aborto em face de gravidez resultante de estupro.

Respondo à Rompicoglioni, que é verdade.

Desde 1940, o legislador penal prevê o aborto terapêutico, necessário para salvar a vida de uma gestante em risco.

A lei penal de 1940, em plena vigência, também disciplina o aborto sentimental, isto é, a interrupção de gravidez resultante de estupro.

Frisei à minha caneta-falante não haver necessidade de se aguardar uma sentença condenatória por crime de estupro para se realizar o aborto. E de o médico, e não o juiz de Direito, ser o único legitimado a concluir pela ocorrência desse crime contra a liberdade sexual: estupro.

Por evidente, a Rompicoglioni sabe que o Brasil é um estado laico.

Portanto, não se rege pelas normas do direito Canônico e pelo estabelecido pelos papas, ainda que, relativamente a certas questões, eles acreditem agir sob inspiração do Espírito Santo.

Nesse contexto, é estranho que o arcebispo de Olinda e do Recife, dom José Cardoso Sobrinho, saia a público a dizer coisas que só interessam ao âmbito restrito da Igreja e aos seus fiéis. Ou seja, que foram excomungados a mãe da menor de nove anos e os médicos responsáveis pela interrupção da gravidez de fetos gêmeos. E para justificar a não excomunhão do estuprador, sustenta ser o aborto mais grave do que o estupro.

O posicionamento do arcebispo foi referendado por autoridades eclesiástica vaticanas e pela Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB). Como se percebe, o arcebispo agiu de acordo com a posição da Igreja, sobre o tema aborto em caso de estupro.

Não podia, como acontecia nos tempos de Giordano Bruno, sair o arcebispo a dar publicidade com o objetivo de condenar moralmente. Num estado laico, isso pode ser considerado ofensivo à imagem e bom nome de um cidadão. E danos à imagem são ressarcíveis pecuniariamente, na Justiça do estado laico.

O arcebispo extrapolou ao sair a impor sanções a pessoas que nem ao menos sabe se professam tal credo.

Ao dar publicidade, parece confundir questões internas da Igreja e achar que todos brasileiros estão sob a jurisdição da Igreja.



Caso fossem vivos os responsáveis pelo Código Penal de 1940, seriam, certamente, excomungados pelo arcebispo dom José. Os seus antecessores, à época, não impuseram nenhuma excomunhão. Certamente, deve o arcebispo imaginar que devam estar a queimar na fogueira do inferno.

Por certo, poderá o arcebispo e a Igreja suportarem ações indenizatórias por danos morais, pela divulgação de juízos (excomunhão) sancionatórios não tipificados como crimes pelo estado laico brasileiro.

A menina submetida è interrupção da gravidez tinha nove anos, estava desnutrida (pesava cerca de 30 quilos) e seu aparelho genital não contava com desenvolvimento maduro para suportar um parto. Os médicos entenderam ser caso de aborto e ponto final: tollitur quaestio (encerrada a questão).

Fora isso, houve confissão do companheiro da mãe, que disse ter dela abusado, bem como da irmã dela, de 14 anos de idade, e por cerca de três anos. Em outras palavras, não havia dúvida sobre o fato do estupro.

PANO RÁPIDO. Lamentavelmente, até o presidente Lula acabou por se manifestar e a criticar a Igreja. Como chefe supremo de um estado-laico não deveria ter dado atenção ao medieval pronunciamento do arcebispo, que também deve ser contra a distribuição de camisinhas e de uso de drogas anticoncepcionais.

Vamos aguardar a reação dos médicos e da mãe da menor, “demonizados” publicamente pelo arcebispo e que poderão pedir indenizações à Justiça brasileira.

Wálter Fanganiello Maierovitch

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